quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Olá povo!!! Depois de alguns dias ausente.. vamos lá.. dividir nossos desejos, anseios, sonhos, vontades e desilusões também. Retomo minha participação aqui com um texto muito interessante que achei por acaso... achei que vale a pena ler e compartilhar... O texto é de Carlos Drummond de Andrade.

TER OU NÃO TER NAMORADO

Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil das conquistas.
Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão, é fácil.
Mas namorado, mesmo, é muito difícil. Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio e quase desmaia pedindo proteção. A proteção não precisa ser parruda, decidida; ou bandoleira basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.
Quem não tem namorado é quem não tem amor é quem não sabe o gosto de namorar. Há quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento e dois amantes; mesmo assim pode não ter nenhum namorado.
Não tem namorado quem não sabe o gosto de chuva, cinema sessão das duas, medo do pai, sanduíche de padaria ou drible no trabalho.
Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar sorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria.
Não tem namorado quem faz pacto de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de durar.
Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas; de carinho escondido na hora em que passa o filme; de flor catada no muro e entregue de repente; de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando fala junto ou descobre meia rasgada; de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Não tem namorado quem não gosta de dormir agarrado, de fazer cesta abraçado, fazer compra junto.
Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor, nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Não tem namorado quem não redescobre a criança própria e a do amado e sai com ela para parques, fliperamas, beira - d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.
Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos; quem gosta sem curtir; quem curte sem aprofundar.
Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada, ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.
Não tem namorado quem ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.
Não tem namorado quem confunde solidão com ficar sozinho e em paz.
Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.
Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando duzentos quilos de grilos e medos, ponha a saia mais leve, aquela de chita e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutisgalanteria.
Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário a fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido. ENLOU-CRESÇA.

Por mulher de 30 

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Quando o amor é distração

(Texto de Ivan Martins, revista Época)


Depois de algum tempo, que varia de pessoa para pessoa, é inevitável que a gente tenha a sensação que já fez de tudo e que a vida – aquela de todos os dias, ano após ano - está se repetindo. Quando eu tinha 17 anos, um dos meus melhores amigos, um ano apenas mais velho do que eu, decidiu se casar. Durante a conversa que tivemos sobre isso, argumentei que a decisão era pra lá de precoce, mas ele respondeu, cheio de si: “Eu sinto que já fiz de tudo.”

Os tempos mudam, mas algumas coisas permanecem.

Nos anos 70, quando essa conversa aconteceu, havia pressa entre os garotos em tornar-se homens. Para alguns, como esse amigo, mais conservadores, isso se dava por meio do casamento. Você provava ao mundo e a si mesmo que havia crescido ao entrar na igreja e ter um filho, preferencialmente com um intervalo de alguns meses entre uma coisa e outra.

Hoje em dia talvez seja o contrário. Há uma determinação coletiva em esticar a adolescência além do limite razoável. A sensação predominante, aquilo que alguns chamam de espírito do tempo, é que nós todos viveremos como Oscar Niemeyer ou Domingos de Oliveira. Talvez mesmo como Matusalém, aquele personagem bíblico que bateu sandálias aos 969 anos. Com frequência eu escuto conversas assim: “Eu tenho 25anos, sou moleque, mas...” Obviamente mudou a idade em que as pessoas sentem que cresceram.

O que não mudou desde a calça boca de sino foi a maneira que as pessoas escolhem para mudar a vida. Quando as sensações estão se repetindo, quando um ciclo aparentemente se esgotou, elas se apaixonam. Temos até uma frase para explicar isso: quando estamos prontos, a pessoa certa aparece. A “pessoa certa” varia de uma vida para outra, mas a função dela, eu acho, é sempre encerrar uma etapa e dar início a outra. Recomeçar.

O motivo é simples: a paixão nos dá a sensação de voltar ai zero. Ou quase. Eros, na mitologia grega, não encarna apenas a força brutal do amor e do erotismo. É também o deus da natureza, com seus ciclos indomáveis de morte e renascimento. Estar apaixonado é florescer, tanto quando se entorpecer ou enlouquecer. Meu amigo percebia isso aos 18 anos. Pegou carona na energia da paixão para mudar a vida na direção que imaginava correta. Um novo amor, um novo começo, a possibilidade de uma nova vida. Quem nunca embarcou nessa?

Mas eu vejo um problema com essa forma de mudar as coisas: a energia da paixão é ambígua. Ela pode ajudar a promover mudanças reais ou pode encobrir, sob uma camada de novidade e erotismo, a vontade de mudança que não se realiza em outros aspectos da vida. O amor pode ser ação, mas pode ser apenas distração.

Escrevo isso porque, frequentemente, tenho a sensação de que transferimos para o amor a responsabilidade por milagres que ele não tem capacidade de operar.

É comum, por exemplo, estar tão enfastiado com o trabalho que a vida pareça insuportável. Quem pode ser feliz fazendo o que não gosta todos os dias? Ou indo a um lugar onde não gostaria de estar? Ou tratando diariamente com pessoas que não gostaria de ver?

Mas é igualmente comum que, em vez de tentar alterar esse aspecto essencial da existência, as pessoas se atirem a mudanças de outra ordem, sobretudo afetivas, em busca de uma satisfação que será necessariamente temporária e que não vai mudar em nada o problema essencial. Eu já fiz isso e já vi dezenas de pessoas fazerem igual.

(Minha sensação é que as pessoas práticas, aquelas capazes de mudar com mais eficiência os aspectos materiais da sua existência, têm menos necessidade de revolucionar seu mundo afetivo a cada par de meses ou anos. Elas se renovam mudando outros aspectos da vida.)

Há também a paixão que nos consola das nossas questões interiores. Das nossas dores permanentes. Da nossa ansiedade intolerável. Por algum tempo ela nos distrai de nós mesmos. É uma fuga que tende a se repetir. Gente angustiada e sedutora faz isso o tempo inteiro: troca de parceiro e de paixão sem conseguir trocar o essencial em si mesmo. Eu já conheci gente assim, você também. Um belo dia elas acordam, percebem que a velha dor está lá, e vão embora, atrás de outra paixão que consiga preencher o buraco impreenchível.

Qual é a moral dessa história?

Que talvez tenhamos de desconfiar de nós mesmos (e de nossas razões) mesmo quando estivermos sendo levados ao céu pelo anjo inesperado e providencial da paixão. Se o anjo aparece toda vez que a vida se torna insuportável, talvez não passe de uma requintada muleta com asas. Ou de uma ilusão. Quem sabe um analgésico.

O meu amigo decidiu que já tinha vivido tudo aos 18 anos e que a paixão e o casamento resolveriam suas angústias de adolescência. Obviamente ele era um tolo e as coisas não aconteceram como ele previa. A maioria de nós fez 18 anos há muito tempo, mas, de uma forma silenciosa e quase inconfessável, muitos continuamos esperando que o amor (o próximo amor, o casamento, ou aquele cara...) vá solucionar, repentinamente, nossa vida. Eu acho que não acontece assim. Pelo menos comigo não tem acontecido.


Por Mulher de 20.